35

Maldita coisa, esta dos números redondos, dos marcos "históricos" da nossa vida e da nossa idade. Primeiro o horizonte dos 18: ai, quando fizer 18 vou ser oficialmente adulto, vou fazer e acontecer, serei o mais poderoso ser à face da terra, os meus pais já não vão mandar em mim, serei eu e só eu. Tretas. Um dia na vida de uma pessoa pode mudar tudo, mas também pode não mudar nada.

Já nem me lembro bem da minha festa de aniversário dos 18, nem que patifarias fiz, quis fazer e não fiz depois disso. Sei que pouco mudou, a não ser ter podido votar e ter ido para a universidade. Ok, a faculdade era noutra cidade e pude abusar um bocado, mas foi aos meus pais que liguei a chorar quando fiz um risquinho no meu primeiro carro, quando fiquei sem luz, quando o cilindro avariou, quando me sentia sozinha. E era para eles que voltava todos os fins de semana, até eles passarem a ser só um porque o meu pai morreu. Esse sim, foi o dia que mudou tudo na minha vida.

Nunca mais voltei definitivamente a casa quando acabei os estudos, mas foi a minha mãe que me ajudou a pagar o aluguer das casas onde estive durante bastante tempo. Independência, o tanas. Tens 20 e tal e achas que és a maior, começas a trabalhar, conheces novos amigos, um novo mundo, uma cidade nova, trabalhas horas a fio porque estás a gostar e não te importas, sais à noite para beber copos quando te apetece, deitas-te às tantas mesmo quando tens de trabalhar no dia seguinte e não custa nada, não tratas das poupanças porque o salário é baixo e pensas que vais ter a vida toda à tua frente para sempre.

Não tens rugas, cabelos brancos, filhos, grandes pesos ou fardos, podes fazer e ser o que quiseres. És a maior. Mantens os sonhos de vir a ter uma casa com jardim, marido, filhos, uma carreira que te preencha, um salário que reconheça a qualidade do teu trabalho. Ainda não estás lá, mas tens tempo para lá chegar e estás certa de que vais chegar.

Anos assim a achar que, com a expressão "o corpo é que paga", António Variações estava a referir-se a coisas bem mais pesadas. Talvez até estivesse, mas chega um dia em que o corpo se ressente. Não tem grande mal, ao menos viveste, não foi? Mas custa um bocado sentir que já não conseguimos ir mais além, passar a noite acordados a conversar, a olhar para as estrelas, o pôr-do-sol, namorar, dar gargalhadas bem alto, fumar cigarros e dançar como se não houvesse amanhã.

Chegam os 30 e é uma festa. Parece que, então sim, atingiste a maioridade. Continuas fresca, mas tens 30. Trinta. Parece muito mas ao mesmo tempo não é. Continuas fresca, mesmo que muitos dos sonhos que construiste na infância te comecem a parecer algo difícil de alcançar. Desiludes-te, desiludem-te, despedem-te, começas a batalhar forte e feio e parece que, por mais esforços que faças, não é suficiente.

Aos 31 nasceu o meu filho e esse foi O dia em que mudou mesmo tudo. Nada volta a ser como antes, passas noites sem dormir e sobrevives. Acordas cedo como nunca achaste que fosse possível. Todos os cansaços anteriores dão-te vontade de rir. Percebes finalmente os teus pais, os ralhetes, as reprimendas, o que achavas que eles deviam ter feito e não fizeram, o que achavas que eles te deviam ter deixado fazer e não deixaram.

Entendes que os teus pais foram o melhor que puderam ser, porque tu própria percebes que ser mãe é bem mais difícil do que parecia nos cenários maravilhosos de maternidade dos relatos que nos foram fazendo. E, nesses momentos mais complicados, a única coisa a fazer é ser o melhor que conseguimos. Esforçar-nos todos os dias por isso, mesmo quando (ou sobretudo quando) chegamos ao fim do dia a achar que fizemos tudo mal, que querermos ser ainda melhores, ainda mais mães ou pais, ainda mais compreensivos, tolerantes, amorosos, calorosos, brincalhões, disponíveis, alegres.

Quando chegas aos 35, como hoje, constatas que concretizaste muito pouco dos teus sonhos de criança. Porque cresceste num mundo de muita fantasia, muitos contos de fadas e princesas e princípes que viviam felizes para sempre. Disseram-te que podias escolher o teu amor, que agora os pais e a família não podiam opor-se às tuas escolhas. Acreditaste que essa seria a receita secreta para viver embalada num mar de rosas. Não é. Amar, viver a dois, é difícil. Não me venham com tretas dizer que se é difícil é porque já não há amor.

Amar também é superar as diferenças, ultrapassar divergências, não desistir. Também é preciso lutar. Todos os dias. Mostrar algo que não seja só o cansaço no meio de tanto cansaço, do trabalho, do sono, do telefone que não pára, do filho que não está sempre a gritar "ó mãe, ó mãe".

Aos 35 percebes que nada é como nos sonhos. Mas também que isso pouco importa. Vives, lutas, sofres, ris, tens alegrias e desalentos, como todos. Não desistir, não baixar os braços perante as adversidades é que não pode ser. Como os teus pais e os teus avós e os que viveram antes deles e os que virão a seguir a nós. Às vezes é preciso andar, avançar, fazer qualquer coisa, mesmo sem a certeza do destino a que queres chegar. No meio disto tudo, aos 35 a minha única certeza é que ser mãe é a coisa mais poderosa do mundo. E que sou melhor mãe do que sou tudo o resto. Que o sonho que realmente importa é ser feliz. Que foi isso que sempre quis. O resto pouco importa.

15 comentários:

  1. Palmas...muitas! Pelo texto, pela noção de felicidade e pelos 35 tão lúcidos e bonitos:D

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  2. parabéns!
    e que palavras bonitas :)

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  3. 35 anos de constatação ! de um tempo que não esperávamos ser assim, não tão difícil, mas também não tão sentido ..

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  4. Muitos parabéns, pelos 35 e pelo texto! :)

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  5. Muitos parabéns Miss Design.
    E por muito bem que sonhemos quando éramos crianças, saber dar a volta aos sonhos ainda é melhor. Assim, de repente, para que raio precisarias tu de um unicórnio ?
    Os meus sonhos mudaram muito, e nem sequer foi por resignação, mas simplesmente porque agora sei melhor o que me pode fazer feliz e tenho uma melhor relação qualidade-preço com os mesmos. Aos novos sonhos, hip hip urra !
    O resto não importa mesmo nada.

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  6. E viva os 35!... Descreve-os na perfeição.

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  7. :))) e também eu fiz 35, ena pá, sinto-me tão acompanhada! ainda não sei bem o que significam estes 35, mas ainda não acredito que os alcancei, sou mesmo adulta!! ainda hei-de escrever sobre isso, mas ainda tenho que interiorizar mais esta meta que atingi. sei que os 30 foram um marco, casei e comprei casa, aos 32 veio a primeira filha e agora aos 35 o segundo filho. tenho menos energia, isso já sei, tenho receio dos 40, já tomei decisões difíceis mas das quais não me arrependo. é acho que estou no bom caminho para um balanço positivo :)

    e mais importante que tudo, PARABÈNS!

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  8. Que texto brutal e tocante, com direito a lágrima no canto do olho e tudo.

    Eu tenho 34 e revi-me em muito do que contaste. Não me vejo como os adultos que via com esta idade quando eu andava na primária. Com 20 e poucos anos os nossos pais e os pais dos nossos colegas tinham todos um ar de adulto, adulto de verdade.

    Quando terminei o 12º ano, entendi que havia de ir trabalhar. Queria ter o meu próprio dinheiro, ser independente (lá está!), achava que era tudo muito simples. A realidade atingiu-me como um raio...

    Aos 23 casei - um casamento lindo com direito a tudo, pago com o nosso próprio dinheiro, com uma ajudinha (pequena) dos pais. Ainda hoje, volvidos quase 11 anos, voltaria a fazer o mesmo, vezes sem conta. Acho que tive sorte!

    Aos 27 fui mãe e, fogo!, tudo muda mesmo. É tão difícil, sentia-me uma verdadeira incapaz, especialmente quando a miúda chorava. Sabia lá eu o que ela queria. E é que ela continuava a chorar porque eu nunca acertava. Ainda hoje me sinto mal, porque sei que a minha filha passou um bocado por causa da nossa inexperiência, mas caramba, na altura era tudo o que sabia e tivemos de aprender todos à custa uns dos outros. Se hoje tivesse um filho... ahhhh ia ser tão diferente... Agora sim, tenho os conhecimentos necessários para ser mãe de um bebé! Quantas vezes não chorámos as duas. Hoje com 6 anos, ela é uma criança feliz numa família feliz. Aliás, olhando para trás, vejo que ela foi sempre feliz, mas foram tempos difíceis... para todos.

    Por isso, numa espécie de solidariedade, venho aqui dizer-te que, apesar das dificuldades inerentes a toda e a qualquer vida, dá-me a impressão de que te está a sair muito bem.

    Muitos parabéns! Vamo-nos preparando para enfrentar os 40 de frente!

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  9. Muitos Parabéns: pelos trinta cinco, por seres a melhor mãe que o teu filho podia ter, pela coragem de amar sempre, sem desistir.

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  10. Muito bom! Adorei este post! E parabéns! ;)

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  11. Antes de mais, quero deixar aqui os meus parabéns pelo 35º aniversário. (Embora esteja um pouco atrasada, mas só conheci o blog hoje, por isso, acho que tenho desculpa...)

    Adorei este post, achei-o absolutamente verdadeiro e poderoso. Eu já passei os 35, mas continuo a sentir-me, e cada vez mais, assim, convicta de que os sonhos de há 20 anos nunca passarão de sonhos e que a felicidade é o único sonho que vale a pena ter.

    Dora

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  12. lindo e lúcido.
    parabéns! (do Brasil).

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