Variações, inquietações e dois meninos aos beijos


Não gosto muito da expressão, mas este homem nasceu realmente antes do seu tempo. De tal forma que estou certa que se vivesse, cantasse e se mostrasse hoje ao mundo como fez há quase 30 anos continuaria a ser um visionário, a não ter falta de audácia, de coragem, de capacidade de provocação, de tudo. Foi dele o primeiro CD que comprei em toda a minha vida. Por ser natural de uma terra próxima de familiares meus, nunca ouvi lá em casa comentários depreciativos que certamente podiam surgir se ele fosse de qualquer outra parte do mundo. 

Olho para os vídeos que restam de uma curta carreira que nem sei ao certo se foi bem reconhecida na altura (só 20 anos depois da morte lançaram um álbum em sua homenagem) com o mesmo queixo caído com que olhava na altura. Ouço-lhes as inquietações que não sei se muitos compreenderiam mas que ele foi capaz de gritar mais alto, tão alto que ficarão registadas para sempre. Em mim, algumas encaixam como uma luva. Outras percebo-as perfeitamente. Não, não sou uma versão feminina do António Variações, sou até muito mais discreta do que ele. Mas, numa altura em que cada vez se pode ser cada vez menos, só posso admirar a capacidade que ele teve de ser tudo o que foi numa altura em que se podia ser muito pouco.

Lá em casa não me lembro de referências à homossexualidade do senhor, à infeção com SIDA talvez, sim, talvez tenha sido a primeira vez que ouvi falar nisso. Mas sabes, António, a ti que não tiveste vergonha de nada, tenho de te contar uma coisa: o meu filho ontem disse-me que dois meninos de uma das salas do infantário dele estavam aos beijos. Deixei-o continuar e ele contou que um colega da sala dele também já deu beijos a uma Dra. Brinquedos que estava numa mochila. Confidenciou-me que isso é namorar. Perguntei se os dois meninos da outra sala eram dois meninos ou uma menina e um menino. "Eram dois meninos. Se fosse só um menino não podiam estar aos beijos!". 

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